Serviços de interesse económico geral, concorrência e garantias dos cidadãos usuáriosum estudo à luz do direito comunitário
- Anjos, Maria do Rosário
- José Luis Meilán Gil Director
Universidade de defensa: Universidade da Coruña
Fecha de defensa: 12 de decembro de 2011
- Jaime Rodríguez-Arana Muñoz Presidente
- Marta García Pérez Secretaria
- António Cândido Macedo de Oliveira Vogal
- Ángel Sánchez Blanco Vogal
- María Asunción Torres López Vogal
- Estanislao Arana García Vogal
Tipo: Tese
Resumo
Os Serviços de Interesse Económico Geral (SIEG) são um elemento fundamental da construção da União Europeia, tendo recebido uma particular atenção, desde logo, na versão original do Tratado de Roma. Apesar da sua consagração ter ficado plasmada num único artigo do Tratado, com uma redacção simples e curta, certo é que os termos da sua consagração jurídica se manteve intacta ao longo das suas sucessivas, tendo perdurado até à actualidade. Uma versão textualmente minimalista mas eficiente por reunir o consenso possível entre as diferentes concepções nacionais sobre o sentido e alcance das actividades de interesse geral concretizada pela prestação deste tipo de serviços. Desde o momento da constituição da então Comunidade Económica Europeia, assistimos ao reforço progressivo da sua importância. Os serviços de interesse económico geral foram ganhando dimensão e despertando interessantes questões jurídicas em torno da definição do regime jurídico aplicável, enriquecendo construções teóricas, doutrinais e jurisprudenciais. A sua importância para a economia da União e dos seus Estados membros, o seu contributo na própria definição do modelo de sociedade que se ambiciona atingir, deram origem um amplo domínio de investigação, do qual a dimensão jurídica é, sem dúvida, uma das que tem despertado um grande interesse. Num domínio em que os Estados membros se organizaram desde sempre com plena autonomia e de acordo com as suas tradições internas, não foi, nem será, tarefa fácil a aproximação das legislações internas, em prol de um interesse mais amplo e progressista, ou seja, a construção de uma efectiva União Europeia. Estes serviços representam um importante vector da produção interna de cada Estado membro e, por consequência, da União. Sabemos como a economia é omnipresente na nossa sociedade e parece consensual a ideia de que foram os interesses económicos dos Estados membros o verdadeiro ¿motor¿ da génese do modelo europeu, da sua implementação e crescimento. A enorme relevância económica das actividades que se inserem no domínio dos serviços de interesse económico geral é determinante, desde logo, como promotoras do progresso económico e social dos povos europeus. Trata-se, pois, de actividades económicas essenciais ao bem-estar das populações, quer do ponto de vista da satisfação de necessidades individuais quer colectivas. São Indispensáveis ao cidadão na satisfação de necessidades mais básicas (água, energia ou gás), mas também na satisfação de necessidades de realização pessoal e intelectual (como, por exemplo, as comunicações electrónicas ou televisão) porquanto a realização dos direitos fundamentais da pessoa humana depende, decisivamente, do acesso a estes bens e serviços. Do mesmo modo, a evolução da sociedade moderna depende, em larga medida, da evolução tecnológica destes serviços. Por isso, ganhou cada vez maior força a ideia da sua indispensabilidade para a coesão económica e social dos povos europeus. Nestes sectores, que representam parte substancial do produto interno bruto gerado nas nossas economias, é frequente depararmos com empresas de grande dimensão e peso económico. Por essa razão, desde cedo a temática dos SIEG se centrou em preocupações de vária ordem, predominantemente na liberalização dos mercados em presença, na garantia de que, também, estes cumpram os propósitos do Tratado em matéria de livre concorrência. Neste enquadramento, os SIEG traduzem um dos domínios em que o direito comunitário mais tem evidenciado a necessidade de conciliação entre o princípio da livre concorrência e o da garantia dos imperativos de interesse geral que não podem ser negados aos cidadãos europeus. A necessidade de associação entre os dois objectivos supra mencionados nem sempre se revela fácil. A associação dos benefícios decorrentes da livre concorrência que podem proporcionar uma democratização muito ampla do acesso a estes bens e serviços, nem sempre é facilmente conciliável com a defesa dos direitos de cidadania dos povos, os quais foram durante muitas décadas, na maioria dos países que integram a União europeia, atribuição do próprio Estado. Assim, a primeira influência visível que o movimento de integração europeia gerou neste domínio foi a alteração da face visível do Estado nestes sectores. É certo que essa influência não terá sido igualmente sentida em todos os Estados membros, mas produziu alterações estruturais em quase todos, com maior ou menor amplitude. O ponto de vista de análise do tema dos SIEG tem sido muito dominado pela perspectiva económica, organizacional ou de mercado. Porém, a concorrência não garante de per si os melhores resultados na perspectiva do cidadão usuário. Nos sectores de actividade que elegemos como objecto de análise, dificilmente se obtém soluções de mercado verdadeiramente concorrenciais. A solução mais frequente é do mercado evoluir e cristalizar na forma de oligopólio. E, é neste pressuposto, que nos parece indispensável recolocar a temática no sentido de reflectir sobre a defesa dos direitos e garantias dos cidadãos usuários. O ponto de vista que nos inspirou para a escolha deste tema de tese centra-se, fundamentalmente, no estudo dos direitos e garantias dos cidadãos usuários, nas suas insuficiências e como superá-las. Esta perspectiva, tem sido frequentemente secundarizada pela dominante da sujeição á livre concorrência destes sectores. O conceito de serviço de interesse económico geral integrou-se no léxico jurídico dos Estados membros da União europeia por iniciativa do direito comunitário, originário e derivado. A investigação realizada centrou a sua análise no estudo do regime jurídico de protecção dos direitos e garantias dos cidadãos usuários dos SIEG, à luz do direito comunitário originário e derivado. Ou seja, procurámos no seio do direito comunitário quais os direitos e garantias que este consagra e quais as suas principais insuficiências ou debilidades. Além disso, a partir da influência do direito comunitário, podemos antever quais as obrigações dos Estados membros em matéria de garantia de direitos perante os seus cidadãos. O aprofundamento do estudo agora realizado pretende colocar em evidência o tema dos direitos e garantias dos cidadãos usuários destes serviços, face aos mercados liberalizados e concorrenciais mas, regra geral, organizados sob a forma de oligopólio e, por vezes, monopólio. Neste contexto, a defesa do cumprimento das obrigações a que estão sujeitos estes serviços, assume-se como fundamental e é já amplamente reconhecida pelas Instituições europeias, cuja influência sobre as ordens jurídicas nacionais é incontornável. Deste ponto de vista, pretendemos estabelecer as linhas fundamentais que caracterizam o estatuto jurídico do cidadão usuário de serviços de interesse económico geral, encontrando a matriz comum que, possa ser considerada, aplicável generalizadamente a todos os outros serviços que possamos enquadrar na mesma tipologia. A óptica de análise é, pois, restrita às matérias consideradas como relevantes em sede de direitos e garantias, procurando definir as linhas essenciais do estatuto jurídico do cidadão usuário, nisso consistindo o contributo do presente trabalho. É o cidadão, a defesa dos seus direitos e garantias de acesso aos serviços de interesse económico geral que constitui o leit-motiv da investigação realizada, que culminou a elaboração da presente tese de doutoramento cuja síntese conclusiva apresentamos de seguida. 2. PLANO DE TESE E METODOLOGIA UTILIZADA A tese desenvolve-se em quatro Capítulos, seguidos de uma síntese conclusiva. O Capítulo I trata da delimitação da categoria jurídica dos serviços de interesse económico geral, sua fundamentação e concepção. O Capitulo II analisa o regime jurídico destes serviços à luz dos Tratados, bem assim como do seu tratamento pelas Instituições europeias, sobretudo, pela Comissão e pelo Tribunal de Justiça. No Capitulo III procede-se à análise das questões de regulação destes serviços na União Europeia, já que, do nosso ponto de vista, mais mercado implica mais regulação, nomeadamente, no que toca à salvaguarda dos direitos e garantias dos cidadãos usuários. Por fim, no Capitulo IV, o estudo concentra-se inteiramente nos direitos e garantias dos cidadãos estabelecidas pelas Directivas sectoriais. Nas conclusões, promovemos as ideias mais importantes na caracterização dos direitos e garantias dos cidadãos usuários, suas insuficiências e desafios a enfrentar, sobretudo na concretização dos direitos e garantias consagrados no direito comunitário a transpor pelos direitos internos dos Estados membros. Na concretização e desenvolvimento da nossa investigação concentramos a análise na produção doutrinal existente, tentando demonstrar o cuidado de percorrer os principais autores europeus de referência na matéria. Na explanação das concepções jurídicas comunitárias mais relevantes usamos e abusamos do recurso à análise jurisprudencial do TJUE, profícua, rica e sempre da maior acertividade jurídica. Indispensável à realização da presente investigação. Ainda, necessariamente, tentemos dar a maior atenção aos actos jurídicos e normativos das Instituições europeias em matéria de SIEG, com particular destaque para as Directivas emanadas, pelo impacto directo que produzem ao nível dos direitos internos dos estados membros. 3. SÍNTESE FINAL E CONCLUSÕES I - Os Serviços de Interesse Económico Geral (SIEG) são um elemento fundamental da construção da União Europeia que, desde o momento da constituição até aos nossos dias têm conhecido um progressivo reforço da sua importância. Trata-se de actividades económicas essenciais ao bem-estar das populações, quer do ponto de vista da satisfação de necessidades individuais, quer colectivas. Usando o conceito emanado do Parlamento Europeu, trata-se de ¿actividades consideradas vitais para os cidadãos e a sociedade como um todo¿. A evolução da sociedade moderna depende, em larga medida, da evolução tecnológica destes serviços, pelo que, é hoje reconhecida a sua indispensabilidade para a coesão económica e social dos povos europeus. II ¿ Estes Serviços de Interesse Económico Geral caracterizam-se por: a) assumirem uma natureza marcadamente económica, despertando interesse no mercado empresarial, tendo sido sujeitos a um forte impulso liberalizador; b) serem essenciais à vida dos cidadãos, ao seu bem-estar e à sua subsistência condigna, o que determina a presença, mais ou menos visível, do Estado para garantir que a sua prestação é assegurada nas condições adequadas; c) serem fortemente influenciados pela evolução tecnológica, devendo esta ser colocada ao serviço do desenvolvimento de melhores condições de acesso aos bens e serviços em presença; d) serem sectores onde as empresas prestadoras assumem uma dimensão de grande dimensão e poder económico, colocando em evidência, a necessidade de garantir uma eficiente salvaguarda dos direitos dos cidadãos usuários. Esta última nota característica, que evidencia a importância da defesa dos legítimos direitos e garantias dos cidadãos usuários dos serviços de interesse económico geral, face a todos os poderes fortemente instituídos nestes sectores. III ¿ Nestes domínios, os diferentes Estados que hoje integram a União europeia, organizaram-se ao longo dos tempos com plena autonomia e de acordo com as suas tradições internas. Pelo que, não foi, nem será, tarefa fácil aproximar ou harmonizar as legislações internas, em prol de um interesse mais amplo e progressista, ou seja, do interesse comum à construção de uma efectiva União Europeia sustentável e coesa. Acresce que, estes serviços representam um importante vector da produção interna de cada Estado membro, pelo que, estes nem sempre vêm com agrado as imposições vindas da União europeia. Sendo a economia uma realidade omnipresente na nossa sociedade e os interesses económicos dos Estados membros o verdadeiro ¿motor¿ da génese do modelo europeu, é compreensível o interesse que despertam. IV - É frequente nestes sectores encontrarmos empresas de grande dimensão e envergadura económica, com um enorme poder de influência junto dos poderes políticos e legislativos instituídos. Assim, desde cedo a temática dos SIEG se centrou em preocupações de vária ordem, predominantemente na liberalização dos mercados em presença, na garantia de que, também, estes cumpram os propósitos do Tratado em matéria de livre concorrência. Na verdade, concluímos que os SIEG traduzem um dos domínios em que o direito comunitário mais tem evidenciado a necessidade de conciliação entre o princípio da livre concorrência e o da garantia dos imperativos de interesse geral que não podem ser negados aos cidadãos europeus. A conciliação entre os dois objectivos nem sempre se revela fácil. V - O tema dos direitos e garantias dos cidadãos usuários destes serviços ganha uma força e actualidade fundamentais, face à imposição de mercados liberalizados e concorrenciais, mas que exprimem uma tendência de evolução natural para formas de mercado oligopolistas ou mesmo monopolistas. Face aos poderosos grupos de influência em acção nestes mercados, o cidadão usuário apresenta-se numa posição frágil e de quase sujeição jurídica às condições que lhe são impostas. Nunca, como hoje, foi tão importante a defesa dos seus direitos e garantias fundamentais. VI ¿ O conceito de serviço de interesse económico geral tem a sua origem no direito comunitário e corresponde à compatibilização possível entre as diferentes concepções existentes nos diferentes Estados membros da UE sobre a matéria. Numa tentativa de contornar uma referência directa ao conceito de ¿serviço público¿, bastião fundamental da construção do estado de direito social para alguns, mas claramente controverso e estranho para outros. Neste sentido, o Livro Verde sobre os SIEG refere-se, expressamente, à importância crucial destes serviços para a qualidade de vida dos cidadãos europeus e para a competitividade das empresas europeias, apelando a contributos para ¿a definição dos objectivos de serviço público prosseguidos pelo interesse geral. ¿ Também as inúmeras Directivas sectoriais aplicáveis aos SIEG fazem frequente e recorrentemente referência às obrigações de serviço universal inerentes a estes serviços, as quais são, afinal, o seu maior traço distintivo. Por sua vez, a Jurisprudência do TJUE, nos inúmeros acórdãos proferidos nesta matéria, é bastante regular na apreciação que faz quanto à possibilidade de aplicação do regime de excepção previsto no supra referido nº 2 do artigo 106º do TFUE: a excepção à sujeição às regras da concorrência pode ser aceitável se a sua aplicação tornar demasiado oneroso, difícil ou ineficiente o cumprimento das obrigações de serviço universal ou de interesse geral em presença. VII - Analisámos com pormenor estas posições ao longo do Capítulo II desta Tese na tentativa de apurar os contornos da concretização jurídica do conceito de SIEG, seu sentido e alcance. É possível concluir que o referencial que sustenta o conceito de interesse económico geral é a defesa da garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos europeus ao acesso aos bens e serviços essenciais que caracterizam estas actividades. Nesse sentido, entendemos que não se reduziu o espectro dos sectores de actividade que alguns dos países membros classificavam de serviços públicos económicos, mas antes se adaptou esta realidade aos objectivos da construção europeia, obtendo um justo equilíbrio entre o mercado e o interesse geral dos cidadãos europeus. VIII - No seio de uma comunidade de países tão alargada como a que integramos é necessário contornar as diferenças de concepções e encontrar o ¿mínimo denominador comum¿ que possa unir todos em torno de objectivos comuns. Ora, é justamente neste quadro que incluímos este importante conceito de serviço de interesse económico geral que o Tratado Instituidor consagrou no artigo 90º, nº 2 numa redacção cuidada, minimalista mas eficiente e que, talvez, por isso, resistiu intacta às sucessivas revisões dos Tratados. Dispõe, hoje, o artigo 106º, nº2 do TFUE, versão introduzida pelo Tratado de Lisboa que: ¿As empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral ou que tenham natureza de monopólio fiscal ficam submetidas ao disposto no presente Tratado, designadamente às regras de concorrência, na medida em que a aplicação destas regras não constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão particular que lhes foi confiada. O desenvolvimento das trocas comerciais não deve ser afectado de maneira que contrarie os interesses da União¿ IX ¿ Este normativo, aparentemente simples e de formulação ¿minimalista¿, implica a análise de um conjunto diverso e vasto de questões jurídicas, subjacentes á sua correcta interpretação e aplicação. Há que ter, assim, em devida conta os contributos das Instituições europeias para a sua concretização, nomeadamente da Comissão e do Tribunal de Justiça da União Europeia, pelas importantes funções que desempenham, como garantes do respeito pela aplicação do direito comunitário. Ao longo dos Capítulos I e II referimo-nos com particular pormenor ao tratamento do próprio conceito comunitário de SIEG e sua fundamentação, bem assim como ao seu regime jurídico à luz do direito comunitário, da doutrina e jurisprudência comunitárias. X ¿ A discussão em torno da sua ligação ao tradicional conceito de ¿serviço público¿ é uma das questões teóricas mais interessantes que tivemos oportunidade de explanar no Capítulo I da Tese. È impossível resistir aos encantos das doutrinas mais fortes, que um pouco por toda a Europa mas, com particular brilhantismo, na França, foram sendo formuladas em torno deste conceito tradicional e profundamente estruturante na concepção de Estado de direito democrático numa parte substancial dos países que constituem a União Europeia. A sua designação, porém, foi sempre e ainda é alvo de alguma controvérsia doutrinal na União europeia, pelo que, nos parece inútil alimentar controvérsia quando o fundamental é encontrar o que de comum une os povos europeus. Em suma, a ideia de interesse geral, seja exteriorizada pelo conceito de ¿serviço público¿, ou através das ¿idées voisines¿ de ¿public utilities¿ ou de ¿interesse geral¿, está sempre presente e é aí que reside o património conceptual comum a todos os Estados membros da União. E, com inteligência, foi essa a opção do legislador comunitário ao optar por uma formulação que reunia em si o que era comum e consensual a todos. Do nosso ponto de vista foi esta, pois, a razão simples e pragmática que levou à consagração do conceito de serviços de interesse económico geral, os quais, subscrevendo a opinião do actual Presidente da Comissão Europeia, ¿se encontram no coração do modelo europeu de sociedade¿. XI - Neste âmbito sobressai, desde logo, uma garantia omnipresente em todos os sectores de actividade caracterizados como de interesse económico geral, a saber: a garantia de cumprimento da obrigação de serviço universal na prestação ou fornecimento destes bens e serviços. Entende-se que há direitos sociais que devem considerar-se como conquistas irreversíveis do estado social de direito democrático, entre os quais o direito a serviços de interesse económico geral. A garantia de prestação serviço universal comporta um conjunto de obrigações que as empresas prestadoras estão obrigadas a cumprir, tais como: a igualdade de acesso, cobertura universal (cobertura total do território), a proibição de quaisquer discriminações fundadas no estatuto social, pessoal e territorial. Podemos dizer que, o conceito de serviço universal, designa um conjunto de princípios e de obrigações que determinados serviços deverão cumprir de modo a torná-los acessíveis a todos os cidadãos a preços e condições adequadas. XII - Mas, a efectivação destes princípios exige que por via legislativa se garantam efectivamente os legítimos direitos dos cidadãos usuários no que toca ao acesso aos serviços de interesse económico geral em condições de universalidade. Na nossa opinião, trata-se de verdadeiros direitos fundamentais de natureza social, direitos de cidadania, que cabe defender e proteger. Mas este propósito nunca poderá ser verdadeiramente realizado sem alguma intervenção dos responsáveis políticos. Essa intervenção pressupõe, por um lado, uma presença activa das Instituições europeias e, por outro lado, dos próprios Estados membros que devem garantir o cumprimento efectivo das obrigações de serviço económico geral no direito interno dos seus países. XIII ¿ A própria teoria económica costuma apontar a teoria do monopólio natural, a ideia de concorrência destrutiva e as missões de interesse público como fundamentos para excepcionar do regime da concorrência, por vezes, estes serviços de interesse económico geral. Neste referencial colocam-se algumas questões extremamente importantes no que se refere á liberalização e à introdução da concorrência nestes sectores. O direito comunitário resolveu assumir, desde a primeira hora, uma posição que se caracteriza, no essencial, por duas premissas: a) A adopção do conceito de serviço de interesse económico geral, concretizável pela natureza da missão que lhe está subjacente, devendo submeter-se ao regime do direito comunitário da concorrência, desde que tal não coloque em causa a realização da sua missão; b) A afirmação de um princípio de neutralidade, liberdade de definição e proporcionalidade em relação á questão da natureza pública ou privada das empresas prestadoras de SIEG, bem assim como à definição de alguns traços essenciais do seu regime jurídico. XIV ¿ A liberalização destes sectores e a sua sujeição às regras da concorrência implicou uma forte intervenção reguladora, cumprindo a ideia segundo a qual ¿more market, more rules¿. Esta intervenção reguladora vai concretizar-se através da aplicação das regras do Tratado mas, sobretudo, das muitas Directivas que têm sido emanadas sobre os diferentes sectores em presença, e dos respectivos diplomas nacionais dos diferentes Estados membros que cumprem a sua transposição. Ao longo da Tese, desenvolvemos com pormenor os aspectos aqui referidos e, em síntese, concluímos que a sujeição à livre concorrência visa preservar quatro objectivos fundamentais: a) garantir o comportamento competitivo das empresas, a igualdade de oportunidades dos operadores económicos e favorecer as pequenas e médias empresas; b) defender os interesses dos cidadãos utilizadores dos SIEG, liberalizando os mercados; c) evitar a compartimentação dos mercados e a sua possível ¿cartelização¿; d) evitar que o alargamento do mercado resulte num reforço do domínio dos mais fortes que assim possam controlar e definir os elementos essenciais do mercado, com prejuízo para os cidadãos usuários. XV - Esta concepção vai ter reflexos na interpretação e aplicação do direito comunitário a estes sectores. Podemos sintetizar um conjunto de princípios que extraímos da análise de um vasto conjunto de decisões da Comissão, de documentos institucionais e, sobretudo, dos Acórdãos proferidos pelo TJUE. Importa referir que a análise da jurisprudência do TJUE é fundamental, uma vez que os normativos de direito comunitário em presença usam inúmeros conceitos indeterminados cuja concretização depende essencialmente da sua aplicação casuística. Por isso no Capitulo II da tese nos debruçamos com pormenor sobre o contributo do Tribunal nesta matéria. XVI - Assim, concluímos que, à luz da Jurisprudência do TJUE: a) É indiferente que a empresa prestadora de SIEG seja pública ou privada ou mista, em conformidade com o princípio da neutralidade do direito comunitário; b) Se entende como empresa pública aquela sobre a qual os poderes públicos possam exercer directa ou indirectamente uma influência por força dos direitos de propriedade, de participação financeira ou das disposições que regem a empresa em causa; c) Sendo indiferente a natureza da empresa prestadora, certo é que, deve sujeitar-se às regras de concorrência sem quaisquer privilégios das empresas públicas ou participadas em relação às restantes, segundo o entendimento do TJUE uma entidade não pode acumular o exercício de funções de interesse económico geral com funções de autoridade pública, pois se tal sucedesse estaria em condições de falsear a concorrência; d) Embora não seja recomendável, é hoje aceite pelo TJUE a possibilidade de uma empresa prestadora ou gestora de um SIEG poder acumular actividades económicas integradas, controlando as infra-estruturas e o fornecimento ao público de bens e serviços, mas apenas se essa acumulação for justificada pela necessidade de praticar algumas compensações financeiras entre elas a fim de garantir as obrigações de serviço universal em presença; e) A possibilidade de se reconhecer como admissível a aplicação da excepção contida no nº2 do artigo 106º do TFUE depende da verificação dos seguintes pressupostos: i. a actividade em causa possa qualificar-se como serviço de interesse económico geral; ii. a empresa tenha sido investida nessa função por um acto explicito de poder público; iii. não sejam afectadas as trocas intracomunitárias iv. exista uma total transparência das motivações para o funcionamento da derrogação. f) O reconhecimento de efeito directo do disposto no nº2 do artigo 106º do TFUE, por reunir os pressupostos necessários para se considerar directamente aplicável (norma clara, precisa, incondicional e completa e juridicamente perfeita), podendo assim ser directamente invocada perante o tribunal nacional de qualquer Estado membro; g) Por fim, reconhece-se à Comissão, nesta matéria, um poder preventivo, exercido através de directivas emanadas e, um poder repressivo, que exerce pela via da decisão. XVII ¿ A síntese de princípios, supra referidos, foi sendo afirmada e concretizada ao longo dos anos, revelando uma preocupação muito dominante com a concretização do objectivo da sujeição à livre concorrência destes sectores, com a viabilidade económica dos operadores incumbidos de missões de serviço de interesse económico geral. Sendo que, uma das questões muito apreciadas pelo TJUE é a do equilíbrio financeiro dos SIEG e a defesa do mercado dos malefícios da concorrência destrutiva. As questões atinentes à protecção dos direitos e garantias dos cidadãos usuários, têm tido um escasso tratamento na apreciação do Tribunal, talvez por incapacidade de acesso dos cidadãos a esta via. Porém, sempre que se proporciona o TJUE acaba por fazer algumas referências aos direitos e garantias dos cidadãos, nomeadamente ao conceito de serviço universal, revelando uma notável sensibilidade para a necessidade de acautelar as condições mais propícias ao cumprimento das obrigações de serviço universal. XVIII - É essencialmente a partir das directivas sectoriais que chegamos à concretização mais incisiva e clara desses direitos e garantias. A matéria dos direitos e garantias dos cidadãos usuários de SIEG fica, assim, em grande medida reservada aos Estados membros. Mas, a questão que colocamos é a de saber se esses direitos e garantias a ser eficazmente proporcionados aos cidadãos usuários. As directivas sectoriais visam, essencialmente, regular os mercados de SIEG, atendendo às suas múltiplas especificidades evidenciando uma intervenção reguladora extensiva e de grande pormenor. A liberalização dos mercados de SIEG impôs alterações profundas na regulação das relações jurídicas concretas entre operadores e poderes públicos e entre aqueles e os seus clientes. Mas uma conclusão que se impõe de toda a investigação realizada é a de que, na óptica da regulação emanada das Instituições europeias, se assume como claramente predominante a regulação do primeiro tipo de relação jurídica, ou seja, da relação entre os operadores ou empresas prestadoras e os poderes públicos. Já no que toca à defesa dos direitos e garantias dos cidadãos usuários, apesar de se estabelecerem alguns princípios importantes, a verdade é que se remete para os Estados membros a obrigação de desenvolver nos ordenamentos internos os diplomas que entenderem adequados. Afirmam-se, nesta matéria, dois princípios muito importantes e complementares entre si, o princípio da autonomia dos Estados membros e o principio da subsidiariedade. XIX - O modelo de Estado regulador, que se impôs com uma força vigorosa nas últimas décadas, veio a revelar falhas e paradoxos políticos e jurídicos difíceis de aceitar. Os poderes ¿visíveis¿ e ¿invisíveis¿ da regulação acabaram por produzir uma proliferação de diplomas legislativos, que acabaram por introduzir regimes jurídicos muitas vezes contraditórios, prolixos mas ineficientes na defesa dos direitos e garantias mais importantes em presença. O modelo tem revelado falhas, sobretudo, na defesa da sua ¿função prudencial¿ na regulação dos mercados. No capítulo III da tese referimo-nos com pormenor às principais polémicas em torno das questões mais relevantes sobre a regulação nos mercados de SIEG, revelando algum cepticismo sobre os apregoados benefícios da regulação, a partir de um poder político fragilizado face a poderes económicos reforçados, circunstância que é bem notória na actualidade. XX ¿ No que respeita aos SIEG, dir-se-á que o enorme poder económico das empresas operantes no mercado, pode por em causa uma defesa eficaz dos direitos e garantias dos cidadãos usuários. Estes são, e serão sempre, a parte mais fraca em presença. Só um regresso à defesa dos valores éticos fundamentais e ao reforço do poder político actuante, afinal o único legitimado pelo sufrágio popular, poderão contribuir para recuperar uma eficaz defesa dos direitos e garantias dos cidadãos usuários, no plano dos direitos internos dos Estados membros. Do nosso ponto de vista, embora o modelo regulador tenha revelado, no passado recente, uma incapacidade acentuada de proteger os mercados e os direitos dos cidadãos, a regulação é necessária, embora se recomende uma adaptação e reforço das técnicas de regulação. Sobretudo no que respeita aos SIEG, uma eficaz regulação pode ser um instrumento muito importante na defesa dos direitos e garantias dos cidadãos usuários. Mas assume-se como indispensável garantir uma efectiva independência política e económica dos Reguladores. XXI - Concluímos que a regulação nos SIEG deve obedecer a um triplo objectivo: 1) Determinar as condições de entrada no mercado; 2) Assegurar o respeito efectivo das missões de serviço de interesse económico geral; 3) Zelar pelo carácter dinâmico e leal da concorrência. Em síntese, cabe á intervenção reguladora, em matéria de defesa dos direitos e garantias dos cidadãos usuários, garantir a universalidade do serviço e o dever geral de protecção dos utilizadores. Nessa função é imprescindível a colaboração de entidades reguladoras independentes, com competências reforçadas, menos dedicadas à burocracia e mais atentas à salvaguarda dos direitos fundamentais em presença, promovendo uma efectiva reordenação jurídica dos sectores regulados. XXII ¿ Do nosso ponto de vista, Impõe-se, nesta matéria, a defesa intransigente dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos usuários de SIEG, defendendo a aplicação do princípio de proibição do retrocesso social ou da não reversibilidade dos direitos sociais constitucionalmente consagrados. Entendemos que este entendimento, válido para a consagração constitucional nos direitos internos dos Estados membros, deve ser entendido de forma mais ampla, dado que o Tratado consagra inequivocamente o direito dos povos europeus a serviços de interesse económico geral prestados em condições de acessibilidade, adequação, regularidade e continuidade. Além do que, é ainda o próprio Tratado instituidor que afirma o princípio geral de defesa dos interesses económicos dos consumidores. Ao que acresce uma vastíssima produção de actos por parte das Instituições europeias, que afirmam e reforçam a importância dos direitos dos utilizadores. Veja-se a titulo de exemplo as directivas sectoriais por nós analisadas em pormenor no Capitulo IV desta tese. XXIII ¿ Entendemos que a intervenção reguladora da União europeia em matéria de SIEG deve obedecer aos seguintes princípios: a) Princípio da publicidade e transparência para permitir a abertura destes mercados à concorrência, através da entrada de novos operadores à escala europeia; b) Estabelecimento de procedimentos concursais abertos ao mercado europeu no seu todo, transparentes, que garantam a uma efectiva abertura destes mercados à concorrência, sempre que isso não impeça a concretização da missão em presença, dentro do quadro do regime jurídico instituído pelo Tratado, nomeadamente resultante do actual artigo 106, nº2, sobre o qual nos debruçamos no capítulo II desta tese; c) Proporcionalidade nos critérios de escolha do procedimento mais adequado ao interesse público em presença e imparcialidade nos procedimentos de adjudicação; d) Princípio da proporcionalidade na escolha do procedimento mais adequado ao interesse público a prosseguir; e) Princípio da boa fé e da estabilidade e confiança na organização dos mercados prestadores destes serviços; f) Respeito pela autonomia das companhias produtoras e prestadoras destes serviços assente na posição neutral do regulador que para tanto deve cumprir as seguintes condições: autoridade e independência; transparência e participação para evitar a captura do regulador e imparcialidade; g) Vinculação dos preços a custos reais e a descentralização da gestão dos riscos; h) Definição de objectivos sociais e obrigações de serviço universal. XXIV ¿ Há ainda que ter em conta que em matéria de SIEG há uma partilha de competências entre a União e os seus Estados membros que não pode ser esquecida. Neste âmbito há que respeitar os princípios aplicáveis no âmbito das relações entre os Estados membros e a União europeia, que podemos designar por princípios enformadores da ordem jurídica comunitária a saber: a) Princípio da autonomia face ao tradicional direito internacional público convencional, porquanto as regras aplicáveis no âmbito das relações da União europeia com os seus Estados membros tem um grau de efectividade maior que advém das regras instituídas nos Tratados; b) Princípio da especialidade, porquanto a União Europeia só dispõe das competências e atribuições que lhe hajam sido atribuídas pelos Estados membros nos termos dos Tratados instituidores; c) Princípio da Comunidade de Direito, segundo o qual a União europeia é uma comunidade de direito identificada pela afirmação de um conjunto de direitos fundamentais pacificamente reconhecidos como válidos por todos os Estados membros; d) Princípio da subsidiariedade, considerado como um principio geral desde o Tratado de Maastricht, e segundo o qual a União Europeia só deve actuar nos domínios que não sejam de objecto de regulamentação nacional; e) Princípio da efectividade, consubstanciado no reconhecimento do efeito directo e do primado do direito comunitário e complementado pelo princípio da uniformidade na aplicação do direito e na interpretação dos regimes jurídicos em presença conforme aos Tratados Instituidores. XXV - A intervenção reguladora da União europeia nos SIEG deve ter a preocupação de regular o mercado, não de o substituir, de modo a garantir que os cidadãos usuários possam aproveitar dos benefícios gerados pela concorrência. Assim, do ponto de vista da regulação do mercado os Estados membros estão obrigados, por força das directivas em vigor, a garantir a aplicação de um regime jurídico aos SIEG que respeitem, em síntese, as seguintes condições: a) Liberdade de entrada dos operadores privados; b) Liberdade de acesso ao mercado; c) Formação concorrencial dos preços; d) Instalação e gestão de redes; d) Prestação do serviço universal em todas as actividades de interesse geral que o mercado, por si só, não seria capaz de garantir a todos os cidadãos. XXVI - Do ponto de vista dos direitos e garantias dos cidadãos usuários, a análise das directivas sectoriais que desenvolvemos no Capitulo IV da Tese permite concluir que se configura na ordem jurídica comunitária um direito fundamental dos cidadãos europeus ao acesso a serviços de interesse económico geral. Trata-se de um verdadeiro direito subjectivo dos cidadãos a essa prestação, contratualizada e protegida pelo conjunto de diplomas emanados da União europeia, nomeadamente as Directivas sectoriais, e pelos diplomas de transposição produzidos pelas ordens jurídicas internas dos Estados membros. As obrigações de ¿serviço universal¿ reforçam esta dimensão de direito subjectivo do cidadão usuário. Mas, ainda assim, para além da consagração dos direitos subjectivos é necessário consagrar garantias efectivas, para tornar esses direitos eficazes. E, essa protecção deve ser vista como algo mais do que a mera protecção enquanto consumidor. XXVII ¿ À garantia de serviço universal acresce, pois, a garantia de protecção jurídica do cidadão usuário a qual deve concretizar-se através de alguns direitos importantes, que têm vindo a ser consagrados nas Directivas sectoriais, nomeadamente nas revisões mais recentes, a saber: 1) adopção de procedimentos simplificados de reclamação e recurso; 2) consagração do direito de informação dos usuários, incluindo sobre os meios de reclamação e recurso ao seu dispor; 3) introdução de instâncias de mediação ou de arbitragem para a resolução rápida e económica dos litígios entre os usuários e as empresas fornecedoras; 4) dever de introduzir mecanismos de avaliação da qualidade dos serviços que contemplem a consulta dos cidadãos usuários. XXVIII - Os Estados membros estão obrigados, por força das directivas em vigor, a garantir a aplicação de um regime jurídico aos SIEG que respeitem, em síntese, as seguintes condições: a) Liberdade de entrada dos operadores privados; b) Liberdade de acesso ao mercado; c) Formação concorrencial dos preços; d) Instalação e gestão de redes; e) Prestação do serviço universal em todas as actividades de interesse geral que o mercado, por si só, não seria capaz de garantir a todos os cidadãos XXIX ¿ Concretizando o nosso objectivo primordial com o presente trabalho de investigação, após a análise exaustiva das directivas sectoriais que desenvolvemos no Capitulo IV da Tese, concluímos pela definição de um quadro geral de direitos e garantias dos cidadãos usuários de SIEG, sistematizado a partir da recolha efectuada com referência aos SIEG que escolhemos como objecto de estudo. Assim, concluímos que esse quadro geral define-se a partir da consagração dos seguintes direitos: 1. Direito à criação e implantação dos SIEG, quer em sede de energia, gás, serviços postais, comunicações ou água, entre outros; 2. Direito de acesso aos serviços em condições de igualdade e universalidade; 3. Direito a fornecimento a preços acessíveis; 4. Direito a um serviço de qualidade a à manutenção regular das prestações 5. Direito à liberdade de escolha da empresa fornecedora do SIEG, nos casos em que o serviço seja prestado em concorrência, sem custos de portabilidade ou de mudança de operador, sem sanções, penalizações, ou, períodos de fidelização; 6. Direito de participação na gestão nos serviços promovendo a sua melhoria sobre todos os aspectos relevantes do ponto de vista da satisfação dos cidadãos usuários; 7. Direito de acesso a mecanismos processuais de defesa dos seus direitos enquanto utilizadores dos SIEG. 8. Reforço das garantias dos cidadãos usuários portadores de deficiências; 9. Reforço da garantia de serviço universal a preços acessíveis mesmo nas zonas mais desfavorecidas; 10. Controlo do regime jurídico dos contratos de fornecimento de serviços, típicos contratos de adesão, através de uma prévia aprovação das minutas por parte das entidades reguladoras; 11. Reforço dos mecanismos de protecção do cidadão usuário contra os abusos praticados em alguns sectores mais propícios à introdução subtil de serviços de valor acrescentado, a partir do estabelecimento do regime regra impedimento de acesso a esses serviços, excepto se o usuário manifestar vontade expressa em aceder aos mesmos; 12. Reforço da protecção jurídica dos cidadãos usuários a partir do estabelecimento de um regime sancionatório eficaz e desmotivador da infracção; 13. Estabelecimento de prazos de prescrição curtos e eficazes na protecção do cidadão usuário contra cobranças tardias e muitas vezes abusivas; 14. Reforço da protecção dos cidadãos usuários contra alguns abusos praticados pelos operadores em matéria aplicação de regras de depósito e cobrança de garantias ou cauções para aceder à prestação dos serviços, regulamentando com equilíbrio esta matéria quer no que toca ao pagamento quer ao reembolso desses valores, uma vez que cesse o contrato em vigor; 15. Direito de acesso a mecanismos processuais de defesa dos seus direitos enquanto utilizadores dos SIEG, céleres e acessíveis; XXX - A garantia do direito de acesso aos SIEG impõe muitas vezes obrigações de serviço universal, assim designadas pelas Directivas sectoriais, para esclarecer que a sua concretização, ainda que onerosa, tem de ser assegurada pelas empresas prestadoras. Se o ónus do cumprimento destas obrigações for excessivo face aos recursos financeiros gerados por alguns segmentos de mercado, então é possível accionar a excepção do nº2 do artigo 106º do TFUE, concedendo direitos de exclusivo à empresa prestadora como forma de garantir que se cumpra o princípio do serviço universal. A intervenção legislativa dos Estados membros deve pautar-se pela transposição das Directivas europeias nas suas ordens jurídicas internas, mas também através da criação de leis gerais sobre os serviços de interesse económico geral, regulamentos e cartas de direitos e deveres dos cidadãos usuários. Impõe-se, ainda, como reforço das garantias dos cidadãos usuários, a criação de um direito sancionatório que garanta efectivamente as obrigações inerentes à garantia do serviço universal. Este mecanismo de garantias processuais conduziu à introdução do recurso a meios alternativos de resolução de conflitos, que permita ao cidadão uma solução rápida para os seus problemas e não o obrigue a recorrer sistematicamente à pesada máquina dos tribunais. XXXI - Por fim, outra questão absolutamente primordial na defesa dos cidadãos usuários está relacionada com o regime jurídico aplicável aos contratos de fornecimento de SIEG. O regime jurídico aplicável é o dos contratos de direito privado. Mas é necessário ter em conta que os contratos propostos pelas empresas prestadoras são contratos tipificados, vulgarmente designados por contratos de adesão, ficando por isso sujeitos às condições de validade previstas para este tipo de contratos. XXXII - De todo o trabalho de investigação e análise desenvolvido ao longo desta Tese concluímos que, apesar do caminho já percorrido no que toca à consagração de direitos e garantias dos cidadãos usuários de SIEG muito há ainda a fazer. Desde logo, há que reconhecer que não é tarefa fácil ao cidadão comum ter uma percepção efectiva, real e esclarecida sobre todos os seus direitos e garantias. Estes encontram-se muito dispersos por vários instrumentos de regulamentação europeia, muito tecnicistas e pouco acessíveis ao cidadão comum. Deste modo, em caso de incumprimento ou de cumprimento deficiente, por parte dos Estados membros das obrigações decorrentes das directivas sectoriais, o mais normal é que o cidadão fique sem qualquer possibilidade de defender os seus direitos. Por desconhecimento, por intimidação ou simplesmente por falta de meios económicos para o fazer. XXXIII - Por isso defendemos que, em relação ao núcleo fundamental de direitos e garantias que identificámos e elencámos, se avançasse no sentido de uma efectiva harmonização, deixando aos Estados membros a tarefa de regulamentação interna nos domínios em que se impõe a reserva de autonomia da sua competência. Trata-se de um domínio fortemente sujeito à evolução tecnológica e a vicissitudes várias, em que não pode dispensar-se a intervenção dos Estados membros, pelo que, também, as normas legais aplicáveis, tem de ajustar-se rapidamente. Por último devem ser desenvolvidos e implementados mecanismos de fiscalização sobre os Estados membros, no sentido de aferir da correcta transposição dos direitos e garantias constantes das Directivas, mas também sobre os mecanismos que internamente colocam à disposição dos seus cidadãos para assegurar uma efectiva protecção dos direitos e garantias dos cidadãos usuários. A elaboração de um documento legislativo que concentre os direitos e garantias dos consumidores, de nível europeu, poderia ser uma excelente solução deste ponto de vista: um Regulamento Europeu dos direitos dos cidadãos usuários de serviços de interesse económico geral. A regulação por parte dos organismos independentes deve obedecer a um certo equilíbrio entre a responsabilização destes organismos independentes e a sua garantia de independência. Nessa perspectiva defendemos um mecanismo de responsabilização perante os parlamentos nacionais, no que toca à sua designação, bem assim como à definição dos seus critérios de actuação. As suas decisões ou actos devem ser publicitadas para evitar a falta de transparência; por outro lado esta mediatização garante um sufrágio pela opinião pública que é seguramente muito importante. Do ponto de vista do direito interno dos Estados membros gostaríamos de ver concretizada a tarefa de elaboração de um Código dos Serviços de Interesse Económico Geral, à semelhança do que sucedeu, por exemplo, com a contratação pública que deu origem ao Código dos Contratos Públicos. Seria um bom guia para a promoção efectiva da eficácia dos direitos e garantias dos cidadãos usuários nesta matéria. É, pois, fundamental reforçar, sempre que possível, os direitos fundamentais dos cidadãos usuários de serviços de interesse económico geral, necessidade que se acentua em períodos de dificuldade económica e social.